O maior problema do mundo não é a miséria, não é a guerra, não é a
delinqüência. É dar uma função socialmente útil às pessoas que produzem esses
males, de modo que parem de produzi-los. Nenhum desses problemas surge do acaso
ou do mero efeito inconsciente das ações das massas anônimas. Cada um deles
surge da iniciativa de pessoas e grupos dotados do poder de agir.
Só há três classes de pessoas poderosas: os ricos, os chefes
político-militares e os intelectuais. Dessas três, só a primeira encontrou seu
lugar no mundo. Ela organizou tão bem sua atividade que, além de liberar forças
produtivas jamais sonhadas (como salientava Marx), tornou a economia uma
máquina de prosperidade geral capaz de funcionar sozinha, sem muita
interferência do Estado. A classe dos ricos – a burguesia – cumpriu seu papel:
abrir o caminho de dias melhores para toda a humanidade. Só que, para fazer
isso, ela tornou a economia o centro da vida, organizando as outras duas
esferas do poder – a político-militar e a intelectual – pelo modelo de
administração das fábricas ou dos bancos. O capitalismo racionalizou e
burocratizou o Estado, a Justiça, os exércitos e a vida intelectual. Um chefe
militar é hoje um funcionário, como é funcionário o homem de ciência. Na vida
político-militar não há mais lugar para caudilhos ou condottieri,
tal como na esfera do conhecimento há cada vez menos lugar para o sábio
independente.
Isso fez com que entre essas duas esferas e a da economia surgisse uma
diferença radical. Na economia há patrões e empregados, os primeiros apostando
na inventividade pessoal e no risco, os segundos na segurança e na rotina.
Tanto a margem de iniciativa dos primeiros quanto as garantias sociais dos segundos
se ampliam com o tempo, diferenciando bem os tipos humanos correspondentes.
Nada disso há nas esferas político-militar e intelectual. Aí não há patrões.
Todos são empregados. Todos estão enquadrados no regulamento que reduz ao
mínimo o campo das decisões e da criatividade pessoal. O gênio, a
inventividade, a audácia refluem para a única esfera restante: a economia. Por
isso ainda é possível um Bill Gates. Mas já imaginaram um Bill Gates da
política, da guerra, da ciência, da filosofia? Não, não há mais lugar no mundo
para Júlio César, Carlos Magno, Leibniz ou Aristóteles.
Tudo isso estaria muito bem se as pessoas dotadas de gênio e iniciativa
nessas esferas se conformassem com o estado de coisas. Mas essa conformidade
não parece ser compatível com a natureza humana. As personalidades vigorosas,
rejeitadas pelo sistema, continuam surgindo. Não encontrando espaço, abrem-no
com os cotovelos. Num sistema que as acolhesse, teriam sido gênios criadores.
Rejeitadas pelo mundo real, rejeitam a realidade. Inventam outra, impossível, e
tornam-se artífices da destruição. Tornam-se Lenin, Hitler, Stalin, Mao.
Tornam-se chefes de máfias. Tornam-se inventores de idéias macabras, capazes de
seduzir as massas e levá-las ao suicídio. Tornam-se os senhores da morte, da
miséria, do caos.
Nosso tempo não produziu nenhum Aristóteles, nenhum Moisés, nenhum
criador de mundos. Produziu mais gênios do Mal que qualquer outro período da
História. Sem eles, a existência, ou pelo menos a dimensão atual de todos os
males apontados no início deste artigo, seria inconcebível.
Já sabemos como organizar a economia. Só não sabemos organizá-la de modo
a evitar a marginalização que transforma os gênios em titãs excluídos e os
devolve à História na forma de furacões. Este é o maior problema do mundo.
Teremos um milênio inteiro para encontrar sua solução?
( Natalia e Mariane )
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